
Com a disparada no número de pedidos por delivery impulsionada pela pandemia, um tema tem gerado conflito entre clientes e entregadores: o motoboy é obrigado a entregar o produto na porta do cliente ou não? A orientação de três das maiores empresas de delivery é a mesma: o entregador não precisa subir até a porta do morador. A pessoa, portanto, pode deixar o pedido na portaria. Essa orientação tem criado uma revolta nos clientes, que respondem com violência ao terem negado pelo entregador o pedido de entrega na porta do apartamento ou entrada no condomínio. O entregador Nilton Ramon de Oliveira, de 25 anos, foi mais uma vítima da violência gerada por esse conflito.
O caso
O jovem foi baleado na noite desta segunda-feira (04) pelo cabo da Polícia Militar Roy Martins Cavalcanti no Méier, na Zona Norte do Rio. O agente recusou-se a ir até a portaria do condomínio onde mora, na Vila Valqueire, também na Zona Norte, para pegar o lanche pedido por sua esposa. Nilton, então, cancelou o pedido. Após o cancelamento, Nilton retornou ao estabelecimento onde a compra foi feita, quando foi abordado pelo cliente, na praça Saqui. Iniciou-se uma discussão, onde Roy estava armado e perguntou por que o entregador estava com a mão na cintura. O jovem levantou a camisa, afirmou que não estava armado, e logo depois é possível ver o jovem no chão, ensanguentado, baleado na perna. O entregador registrou o ocorrido por meio de um vídeo feito em seu celular.
Versões
O policial militar Roy Martins Cavalcanti alegou que agiu em legítima defesa. Ele atirou no entregador, que se recusou a subir até o apartamento para entregar o pedido. O caso ocorreu na segunda-feira (4).
Testemunha rebate justificativa sobre legítima defesa. Em entrevista ao programa Encontro, da TV Globo, Yuri Oliveira, que também trabalha no iFood e testemunhou a confusão, disse que não viu Nilton fazendo qualquer movimento para tentar pegar a arma de Roy.
Ameaças a família
Familiares do entregador baleado no Rio de Janeiro, na segunda-feira (4), afirmam que foram intimidados por policiais militares enquanto estavam no Hospital Salgado Filho. Nilton Ramon de Oliveira está internado em estado grave.
Luiz Carlos, cunhado do entregador, disse que a família precisa de uma medida protetiva. “Ontem estávamos na porta do Salgado Filho, e, enquanto minha esposa dava entrevista no hospital, tinha policiais gravando ela, tirando foto, zombando e rindo. Na minha concepção, policiais são pagos para proteger, não coagir, e ela se sentiu coagida”, afirmou ao RJ1, da TV Globo.
Ele se reuniu nesta quarta-feira (6) com a Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). “Eu clamo por justiça. A gente não sabe o que pode acontecer. O policial cometeu uma tentativa de homicídio contra meu cunhado, não pode ficar impune”, acrescentou Luiz Carlos.
Estado de saúde atual do entregador Nilton
De acordo com o tio do jovem, que preferiu não se identificar, ele teve um progresso no seu quadro de saúde. O rapaz de 24 anos já conseguiu abrir os olhos e conversar com a família nesta terça-feira (5).
“Ele fez todos os procedimentos, graças a Deus está falando, abriu os olhos e falou chamando pela minha filha. Deu um sorriso para a minha esposa, que é quem está acompanhando os procedimentos”, relatou o tio ao UOL. De acordo com ele, Nilton realizou duas cirurgias. O tio esclareceu que o projétil que atingiu o sobrinho não precisou ser retirado do corpo, uma vez que a bala atravessou a perna dele.
O disparo efetuado pelo PM Roy Martins Cavalcanti atingiu a coxa esquerda do entregador, especificamente a veia femoral, o que o levou a perder muito sangue. “Na cirurgia de ontem, os médicos reconstruíram a artéria. Mas de ontem para hoje, não deu certo. Foi necessário fazer outro procedimento, conhecido como bypass”, , explicou o tio. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, o estado de saúde do rapaz ainda é grave.
Violência contra entregadores
Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado aponta que 44 entregadores foram baleados na cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana nos últimos oito anos. Destes, 26 morreram.
O iFood informou que, no ano passado, firmou uma parceria com o Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro “para conscientização de moradores e capacitação de porteiros e síndicos de condomínios da cidade”.
“Lançamos recentemente uma Política de Combate à Discriminação e Violência que prevê condutas que não são aceitas, penalidades em relação aos agressores e formas de proteção às vítimas. Esperamos que o caso não fique impune e que Nilton se recupere”, conclui o comunicado da empresa.
O autor do disparo se apresentou à delegacia da área. A Polícia Militar do Rio de Janeiro informou que a Corregedoria abriu um procedimento apuratório para averiguar as circunstâncias do fato.
*Com informações do UOL e CNN