
É comum ver vereadores de Campos bradar por aí que a Câmara Municipal é a ‘casa do povo’. Mas aqui vai um questionamento, qual povo? Hoje o cenário da Casa de Leis campista é o seguinte, são 25 vereadores, e apenas um declarado negro (Maicon Cruz) segundo consta no site Justiça Eleitoral.
Aqui não vai uma crítica aos parlamentares, que foram eleitos democraticamente, mas sim uma reflexão sobre quem vai às urnas, pois os representantes que lá estão são frutos de escolhas da população. Eles não entram por conta própria, mas podem negar as suas verdadeiras origens.
Para exemplificar a falta de pluralidade na casa, é tão raro ter uma mulher vereadora, que quem consegue alcançar tal honraria vai parar em um mural no prédio. E sobra espaço… São 15 vereadoras na história da Câmara Municipal, sendo a primeira em 1971, Hermeny Coutinho, e sim, ela era negra. E, pasmem, os primeiros parlamentares da cidade tomaram posse em 1653.
Hermeny Coutinho, ocupou o cargo de vereança de 1971 a 1973. Em seu mandato se destacou pelas causas sociais e por fazer parte da Comissão Municipal Pró-royalties. Deste ano em diante, a política no município passou a contar constantemente com a presença feminina, mas poucas de fato conseguiram chegar a tal feito. Fato constatado no atual grupo eleito.
A falta de identificação da população negra campista com os candidatos negros é notável, um problema que assola os dois lados desta questão. De um lado, temos candidatos que se distanciam da sua verdadeira identidade, e tal distanciamento pode ser provocado por diversos motivos: a falta de identificação, referência e interesse; a ausência de representantes negros ocupando cadeiras na política nacional etc. De outro lado, temos o eleitor negro, que é refém de um clientelismo eminente na cidade, reflexo da segregação escancarada no munícipio. Um projeto elaborado propositalmente para manter a população mais pobre em situação de subserviência, o que está longe de acabar, infelizmente.
É de fato lamentável que uma cidade que chegou no passado ao topo do cenário escravocrata regional, que tem a descendência de escravizados em mais de 50% da sua população, ainda carregue tanto preconceito, e mais, que homens pretos não se autodeclaram como tal.
Ainda é preciso voltar ao passado para se lembrar que tivemos sim um campista Presidente da República, que esse campista embora pintado e retratado como homem branco, era negro, era de Morro do Coco. Na literatura tivemos José do Patrocínio, um negro abolicionista, jornalista e escritor, que participou ativamente dos movimentos para libertação dos escravizados se trornando uma referência política para sua época.
É preciso enxergar o passado, para que se possa entender o ano de 1971, quando Hermeny Coutinho foi eleita e o ano de 2020 quando o único vereador da atual legislatura autodeclarado preto, Maicon Cruz foi eleito.
Aproveito a ocasião para fazer uso de um trecho de um artigo escrito pelo Claudio Clemente Cientista Social formado pela UENF, e Mestre em Sociologia pelo IESP-UERJ “Tal reflexão se estende a corrida presidencial, em que, nos meus 30 anos de vida, não consigo lembrar de um candidato negro que teve alguma chance de vencer o pleito, vale lembrar que 54% da população brasileira é negra. Enquanto não colocarmos a pauta racial como prioridade, continuaremos vagando neste limbo.”
Referências: Claudio Clemente, João Marcos Baltazar e J3News.