
“Eu já passei por isso. Meu filho de 2 meses precisou ser internado em Campos dos Goytacazes, longe de casa. Isso aconteceu após uma espera de 17 horas por uma ambulância”, comentou Lígia Nogueira, proprietária de uma clínica de estética em Cabo Frio. “Tive que ir com meu filho para um hospital em Araruama, porque em Cabo Frio não havia como interná-lo”, escreveu Maria Ribeiro, outra moradora da cidade. “Isso foi há 12 anos, e a situação continua a mesma”, relatou. Esses foram alguns dos mais de mil comentários em uma publicação nas redes sociais da jornalista Ana Paula Mendes, no final do mês passado. Na publicação, ela relatou o calvário que enfrentou com seu filho João, de 11 meses, para tomar um soro. João foi atendido em uma unidade particular, e como não havia leitos particulares para internação em Cabo Frio, ele foi transferido para uma unidade hospitalar em São Gonçalo. A internação, claro, surtiu efeito, e João está bem de saúde.
No entanto, esse fato destacou um problema crônico e antigo na Região dos Lagos: a falta de leitos pediátricos para internação. Esse foi o tema do primeiro debate do “Verdades com a Ana”, podcast apresentado por Ana Paula Mendes. A discussão contou com a participação de representantes da prefeitura, dos hospitais particulares, da OAB e de um especialista em Saúde Pública. Uma unanimidade entre eles é o fato de que há escassez de leitos infantis e que um consórcio entre os municípios da Região dos Lagos seria a melhor alternativa para ampliar o número de leitos para internação e contratar mão de obra especializada.
Segundo o secretário de Saúde de Cabo Frio, Bruno Alpacino, desde o fechamento do Hospital da Criança, localizado no bairro Guarani, os atendimentos pediátricos foram transferidos, primeiramente, para o Hospital da Mulher e agora estão concentrados no Hospital Otime Cardoso dos Santos, no Jardim Esperança. “São 16 leitos de internação, tipo enfermaria, onde são atendidos todos os tipos de casos”, disse o secretário. “Hoje, temos os leitos de internação e, realmente, a transferência só ocorre quando há necessidade de UTI. Em relação a crianças na enfermaria, elas são atendidas na emergência, seja no Jardim ou nas UPAs; se precisarem de internação, permanecem lá mesmo”, explicou a diretora do Hospital da Criança, Débora Stopa.
No entanto, como mencionado pela diretora, a unidade não possui UTI infantil. Aliás, não há leitos de UTI para internação de crianças em Cabo Frio. Os casos mais graves precisam ser encaminhados para outras cidades com melhor estrutura, como São Pedro da Aldeia e Saquarema. No Hospital da Mulher, existem oito leitos de UTI para recém-nascidos, mas são unidades transitórias, até que seja possível obter uma vaga em outra cidade. No Rio de Janeiro, as UTIs pediátricas são de responsabilidade do governo do estado. “Temos toda a estrutura necessária, e a transferência não leva mais de 12 horas para ser realizada”, garantiu a diretora do Hospital da Mulher, Maria Rosalice de Almeida.
Na rede particular, a situação é ainda mais grave. Não há leitos para internação, nem para crianças nem para recém-nascidos. Todos os casos são transferidos para outras cidades. Gabriela Magalhães, diretora técnica da Clipel, um dos hospitais particulares de Cabo Frio, participou do debate. Ela explicou que, por questões econômicas, os hospitais particulares começaram a restringir ou suspender os atendimentos pediátricos devido à pandemia. No entanto, há boas perspectivas para 2024, com a abertura de 12 leitos de enfermaria para crianças e 15 leitos de UTI, além da inauguração de uma nova maternidade com parto humanizado e 10 leitos de UTI, mas sem convênio com o SUS.
O debate teve momentos acalorados. Marcelo Paiva, especialista em Saúde Pública, argumentou que a prefeitura não está cumprindo suas responsabilidades como uma das instâncias do SUS ao não ampliar a oferta de leitos pediátricos. Ele também criticou a forma como os atendimentos de emergência estão sendo realizados atualmente, com as UPAs sendo usadas como portas de entrada. “A UPA é um descalabro. A UPA acabou com as instâncias de responsabilidade do SUS. Por exemplo, Cabo Frio fechou sua emergência e instalou uma UPA. É inaceitável que uma unidade de emergência, que chamamos de unidade de emergência, não tenha condições de operar como tal na UPA”, disse ele.
A discussão também ficou acalorada quando Carlos Vinícius Porto, membro da comissão de Saúde da OAB, relembrou os casos de morte de recém-nascidos no Hospital da Mulher em 2019, que motivaram até mesmo a instauração de uma CPI na Assembleia Legislativa. A CPI constatou irregularidades, como falta de medicamentos e equipamentos. Carlos Vinícius também argumentou que houve omissão por parte do poder público no acompanhamento das mães dos bebês, embora a administração do hospital tenha contestado essa afirmação.
Apesar das discussões acaloradas, os participantes do debate chegaram a um consenso: a necessidade de um consórcio entre os municípios da Região dos Lagos para aumentar a oferta de leitos infantis. “Uma das possibilidades seria utilizar o prédio atualmente fechado do Hospital da Criança, estabelecendo uma parceria em conjunto com o estado, o que atenderia toda a demanda, não apenas de Cabo Frio, mas de toda a Região dos Lagos”, afirmou o secretário de Saúde Bruno Alpacino. “Isso resolveria todo o problema”, concluiu. O assunto será discutido nas próximas reuniões do consórcio, que ocorrem às quintas-feiras.
O “Verdades com a Ana” continuará acompanhando essa discussão e trazendo os desdobramentos das soluções para esse grave problema. O drama vivido por Ana Paula Mendes e por milhares de outras mães ainda está longe de chegar ao fim. “Sua postura e coragem são impressionantes”, comentou a pediatra Julia Barreto em uma publicação na rede social de Ana Paula Mendes. “Espero que tudo isso não fique apenas aqui”, concluiu a publicação. Um pedido reiterado pelo “Verdades com a Ana”.